Aproveitando o gancho do último vídeo, trago algumas novas observações para nossa reflexão.
Ao olharmos para esses dois verbos (אָכַל achal / כָּלָא kalah), formados exatamente com as mesmas letras, já conseguimos compreender um grande princípio: o ato de comer está diretamente ligado à ação de restringir, conter, refrear, limitar.
Podemos entendê-lo sob dois aspectos: tanto no sentido da quantidade (comer com moderação, sem exageros) quanto no sentido da qualidade (comer apenas o que é apropriado ao homem). Na Escritura, esses alimentos apropriados são chamados por “tahor” puros, e no cotidiano judaico, são conhecidos por “kasher” adequados.
Um ponto relevante ainda é que a pronúncia כֶּלֶא keleh, significa prisão. Tal fato nos leva a uma importante reflexão, pois a comida, se não aproveitada de maneira conscienciosa, pode se transformar em uma prisão para nossa alma, seja na ingestão insuficiente ou no seu exagero.
A Torah traz restrições apenas aos tipos de carnes que podem ser ingeridas (Lv 11 e Dt 14), porém a categorização entre animais puros (טהור tahor) e impuros (טמא tamê) sempre existiu (notem em Gn 7:2-3 que Noach/Noé já sabia distingui-los). A permissão para se alimentar de carnes, no entanto, passou a ser válida apenas após o Dilúvio, na nova terra seca. Esse, inclusive, é um dos motivos (naturais) pelos quais a proporção entre animais puros e impuros na arca era de 7 para 1. Outro motivo é que apenas os animais puros poderiam vir a servir como sacrifícios, nas épocas posteriores; assim, sua multiplicação deveria ser bem maior do que os demais.
A separação entre alimentos (carnes) puras e impuras não está apenas ligada a um aspecto físico, que visa a saúde do corpo, mas, principalmente a uma qualidade espiritual de vida. A posição do primeiro texto que trata sobre o tema (Vayikrah/Levítico 11) é praticamente uma abertura para todas as demais leis de pureza e impureza, sendo que estes são assuntos de cerne muito mais espiritual do que físico. Assim, isso nos vale como uma importante dica sobre o foco desses mandamentos. Cabe lembrar também que a pureza/impureza não se refere às questões de higiene, limpeza ou sujeira do corpo, mas sim a aspectos da alma, que tocam o corpo, uma vez que ambos estão ligados.
E, apesar das restrições alimentares serem apenas sobre as carnes, não podemos esquecer que até mesmo no Gan Éden (jardim do Éden) havia uma importantíssima restrição alimentar. E o resultado da ingestão desse fruto seria o pior de todos: a morte.
Adam (Adão) e Chavah (Eva) viveram ainda por muitos outros anos, porém não mais em sua condição física original e integral. E, a partir daí, todo ser humano passou a carregar essa mesma natureza. Aguardamos, um dia, voltar a ter acesso à Árvore da Vida, que vai nutrir e curar com seus frutos e folhas. E, durante esse intervalo, podemos nos servir daquilo que é melhor para nossa alma e nosso corpo, procurando manter a pureza de ambos, como um verdadeiro templo para a Ruach haKodesh (Espírito de Santidade).
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