O último vídeo (As Dimensões da Pele) apresentou a transformação sofrida pelo ser humano após o pecado no Éden. Sua própria pele, que antes refletia a luz do Criador – a “pele com álef” (אור, or) – decaiu para a materialidade da “pele com áyin” (עור, or). Esse estágio, no entanto, não é permanente. Na ressurreição, aqueles que mantiverem suas vestes brancas durante a vida, receberão novas túnicas de pele, eternas e celestiais. Um retorno da densidade do ע áyin para a luz de א álef.
Apesar do estudo ter sido abordado sob diversos ângulos, ainda existem outras perspectivas nesse vasto oceano das Escrituras e do hebraico. E nesta segunda parte, trataremos de mais um dos misteriosos mandamentos da Torah: a purificação pelas cinzas da novilha vermelha (Parah Adumah), descrita em Números, capítulo 9. Caso não tenha lido ainda a primeira parte do tema, acesse aqui.
De forma sucinta, o texto diz que todo aquele que tivesse entrado em contato com a morte (filhos de Israel e estrangeiros unidos a eles) deveriam ser purificados ao 3º e 7º dias. Esse contato incluía desde estar presente ou entrar na tenda de alguém que tivesse falecido até tocar cadáveres ou ossos (Nm 9:11-16).
A lei prescrevia levar uma novilha vermelha para fora do acampamento e queimá-la por inteiro, acrescentando-se madeira de cedro, hissopo e tecido carmesim. Sua cinza (אפר, éfer) seria guardada em um local limpo. No momento de se purificar alguém, um pouco da cinza seria colocada em um vaso e derramada água corrente sobre ela. Um homem ritualmente puro aspergiria a água purificadora sobre o impuro, sobre sua tenda, utensílios abertos e pessoas que ali estivessem (Nm 9:18).
A morte é consequência do pecado, possuindo o mais elevado grau de impureza; uma vez que está em oposição ao Criador, que é Vida. O fato de estar impuro impedia que qualquer pessoa pudesse se aproximar das coisas santas e servir a YHWH no Mishkan (Tabernáculo) ou no Templo. Assim, a lei de purificação da novilha vermelha representava como que um retorno à vida, o direito de se reaproximar do Altíssimo.
E, nos detalhes de seu texto, encontraremos uma grande conexão entre as cinzas e a pele humana: no seu estágio de queda (pecado/morte/opacidade) e no retorno à glória (ressurreição/vida/luz).
Olhando além das palavras
O capítulo 9 de Bamidbar (Números) é o único que trata a respeito do tema, apresentado por 3 vezes a palavras cinzas. Porém nas duas primeiras (versos 9 e 10), ela é escrita com א álef (אפר); e na última (verso 17) com ע áyin (עפר). Apesar de referir-se à mesma coisa, cada uma dessas palavras possui significados levemente diferentes:
Éfer (אפר) representa apenas cinza, algo que foi queimado.
A raiz א-פ-ר também origem à designação da cor cinza no hebraico moderno: אפור (afor).
Afar (עפר) refere-se também a outras partículas: terra seca, pó da terra, poeira de destroços, entre outros.
Esse é o termo utilizado em Gn 2:7, onde diz que o homem foi criado do pó da terra.
Esse caso leva a um paralelismo entre as palavras אור (or, LUZ) e עור (or, PELE) que, apesar dos significados diferentes, também se espelham, trocando álef (א) por áyin (ע).
Quando todos os termos são colocados juntos, percebe-se a mesma estrutura:
(Obs.: ao longo do estudo, cada um dos termos abaixo será utilizado sempre com a mesma cor de destaque, a fim de também afcilitar a compreensão visualmente.)
אור (or, LUZ) | 3 letras: álef - vav - resh
אפר (éfer, CINZAS) | 3 letras: álef - pei - resh
עור (or, PELE) | 3 letras: áyin - vav - resh
עפר (afar, CINZAS, PÓ) | 3 letras: áyin - pei - resh
Entre אור e אפר distingue-se apenas a letra central (ו vav ou פ pei). Entre עור e עפר acontece o mesmo.
Observe nos quadros abaixo os dois níveis de correlação entre todos os termos. Lembrando ainda que a palavra אור (or, LUZ) está ligada à pele ANTES do pecado e עור (or, PELE) refere-se à pele APÓS o pecado.
Agora, faremos uma análise em cima das letras e conceitos de cada uma dessas palavras , compreendendo que:
(éfer, CINZAS) אפר está ligada à אור (or, LUZ) e
(afar, CINZAS, PÓ) עפר está ligada à עור (or, PELE) .
A "primeira" e a "segunda" cinzas
No texto em questão, אפר é utilizada quando se indica o PROCEDIMENTO para se fazer as cinzas da novilha (versos 9 e 10). Porém a cinza que é APLICADA (verso 17) sobre o impuro não é אפר , mas עפר .
A “primeira” cinza (אפר) está conectada ao א álef, à luz (אור) e à vida.
A “segunda” cinza, (עפר) , a qual é aspergida, está ligada ao ע áyin, representação dos olhos, a visão física.
Nesse processo, é como se a “primeira cinza” (אפר), sutil e luminosa, se “materializasse” na “segunda cinza” (עפר), o próprio pó do qual o homem foi formado.
E esse foi exatamente o mesmo caminho que se deu com a pele: da luz de א álef para a densidade do ע áyin.
A “primeira cinza” (אפר) está ligada apenas ao FOGO, uma vez que é fruto da queima. Portanto, associada à Ruach (Espírito), àquilo que se eleva do plano material e é sutil.
Já a “segunda cinza” (עפר), o pó, relaciona-se com a ÁGUA, pois é misturada a ela dentro de um vaso. Sua natureza é densa, contrária ao fogo.
Nessa perspectiva também se torna claro o mesmo padrão descrito acima:
A “primeira pele”, (אור, or) feita de luz, etérea, sutil relaciona-se com אפר (éfer) , a cinza do FOGO.
A “segunda pele” (עור, or), que é densa, relaciona-se com (עפר, afar), a cinza que é também pó da terra; e, misturada à ÁGUA, dá vida à מֵי נִדָה “mei nidah” (água de separação), ou seja, essa água purificadora da qual estamos tratando.
As cinzas e a pele
Um fato marcante é que a relação da água purificadora com a PELE vai muito além dessa coincidência de letras, sons e palavras
Todos os elementos utilizados para gerar as cinzas, junto com a própria novilha (madeira de cedro, hissopo e lã carmesim) são exatamente os mesmos utilizados na cerimônia de purificação para tzaraat, uma doença de caráter espiritual que afetava justamente a PELE do ser humano (Lv 14:1-9).
A pessoa curada também era levada para fora do acampamento (como a novilha vermelha) e todos esses elementos seriam imersos no sangue de uma pomba imolada e aspergidos sobre ela.
Muito mais do que uma purificação
Outro ponto fundamental é que a purificação pelas cinzas da novilha vermelha aponta para o sacrifício de Yeshua. Também levado para a morte fora dos limites da cidade, o seu sangue – representado na cor vermelha do animal –, propiciou a purificação dos pecados. Não apenas uma purificação ritual, mas o verdadeiro acesso para a reconexão com a Vida, com o Pai Celeste. O resgate daqueles que estavam mortos.
Além disso, a purificação pelas cinzas era realizada em duas etapas: a primeira ao 3º dia, mostrando que o Messias, também ao 3º dia ressuscitou, validando a promessa de vida eterna. A segunda etapa é concluída ao 7º dia, um paralelo com o 7º Milênio, onde Yeshua é entronizado como rei de toda a terra e, finalmente, a morte – o maior inimigo – é vencido.
As promessas para o Pó da Terra
Uma análise ainda mais elaborada da própria palavra עפר (afar) – aquela que indica as cinzas que são ASPERGIDAS – leva a alguns pontos surpreendentes!
Como dito anteriormente, עפר (afar) tem sentido mais amplo que אפר (éfer), representando os grãos de terra, a poeira da terra seca. Essa condição assemelha-se muito à areia, com sua natureza granular. De fato, a areia é apenas um outro tipo de terra.
Adonai fez grandes promessas para Avraham (Gn 22:17) e Yakov (Gn 32:12), assemelhando suas descendências às incontáveis areias do mar. A mesma palavra também é colocada sobre os descendentes de David (figurando o Messias) em Jr 38:22.
De fato, ainda mais do que isso, YHWH proclama por duas vezes essa mesma promessa para o patriarca Avraham. Em Gn 22:17, Ele multiplicaria sua descendência como a AREIA DO MAR; e em Gn 13:16, o Criador a fará como o PÓ DA TERRA, igualmente incontável.
Assim, a partir desses dois versos, podemos estabelecer uma íntima conexão entre ambas as palavras: עָפָר (afar) - o pó da terra, e חוֹל (chol) - a areia do mar, que refletem a mesma promessa do Criador.
Unindo todos esses pontos, encontramos ainda um texto onde o próprio Avraham, recebedor dessas promessas, declara a constituição do próprio ser humano, em Gn 18:27:
ויען אברהם ויאמר הנה־נא הואלתי לדבר אל־אדני ואנכי עפר ואפר
Tornou-lhe Avraham, dizendo: Eis que agora me atrevi a falar a Adonai, ainda que sou PÓ e CINZA (afar va’éfer).
Das cinzas, a vida
Analisemos, então, a incrível perspectiva que se abre aqui, conectando ambos os termos acima ao contexto das cinzas da novilha vermelha.
Além de areia, o termo חוֹל (chol) possui outro significado. Essa é a palavra para fênix, aquele pássaro que renasce das cinzas. Apesar de sua representação mais antiga ter sido encontrada no Egito, talvez esse símbolo esteja ligado a um período muito anterior, que remonta ao próprio Éden. De fato, a fênix é encontrada nos mais variados tratados de interpretação judaica, e a razão disso é que eles nasceram de uma referência da fênix na própria Escritura! Ela aparece em Jó 29:18.
ואמר עם־קני אגוע וכחול ארבה ימים
E dizia: em meu ninho morrerei e como fênix (ve’ka’chol) multiplicarei meus dias.
Muito provavelmente sua tradução acusará que os dias de Jó seriam numerosos “como a areia”. O termo utilizado seria exatamente o mesmo, porém algumas fontes judaicas apresentam חוֹל (chol) nesse verso como fênix.
A sua história teria começado desde o Gan Éden (jardim do Éden). Chavah (Eva) teria dado do fruto proibido para Adam (Adão) e ainda alimentado todos os animais. A fênix, porém, se recusou a comê-lo e, por essa razão, foi merecedora da vida eterna, renovando-se – segundo algumas literaturas – a cada mil anos. Na arca de Noach (Noé) a fênix também teria recebido uma bênção dele, devido à sua paciência e altruísmo, a fim de que fosse vontade de YHWH que ela vivesse para sempre. Assim, mesmo diante de um ferimento fatal, a ave não morreria.
O mito/símbolo da fênix é milenar e faz parte de diversas culturas: egípcia, grega, nativo-americana, eslava, japonesa, chinesa, hindu, árabe e judaica. Um mito presente em culturas tão diferentes entre si e que, teoricamente, não tiveram contato durante seus estágios iniciais, é mais um firme argumento de que sua história remonta ao início dos tempos, antes da separação das terras, povos e línguas.
Há certa diversidade dentre essas histórias sobre como a fênix renasce. Uma das interpretações judaicas diz que aproximando-se o fim do seu ciclo, um FOGO emerge de seu ninho, queimando-a até o tamanho de um ovo. Depois disso, o pássaro se desenvolve novamente, adquirindo a mesma forma anterior dentro de 30 dias.
Um outro ponto de vista é que a fênix monta seu ninho com especiarias, como uma câmara funerária e, chegado o momento, bate as asas freneticamente para que o sol o incendeie.
Outras lendas dizem ainda que a fênix nasce e morre diariamente, como o sol; e ainda é um pássaro que vive constantemente em chamas. Por essa razão, em algumas culturas ela recebe nomes relacionados ao fogo.
Retornando ao objeto do estudo, percebemos esse outro magnífico e complexo nível de conexão que acontece entre todos os elementos, formando um ciclo que começa e termina no Éden:
• Pele com áyin: עור (or), a morte, o resultado de comer do fruto proibido.
• Surge a necessidade de redenção e reaproximação com YHWH.
• No nível físico, a Torah define as cinzas (אפר éfer / עפר afar) de uma novilha vermelha como elemento de purificação pelo contato com a morte. A própria cor da novilha relaciona-se ao FOGO, elemento que gera as cinzas.
• A cinza que é ASPERGIDA é עפר afar, a mesma palavra que define a substância da qual o homem é formado (pó da terra).
• O patriarca Avraham, que afirma que todos nós somos pó e cinza (עפר afar + אפר éfer), é o mesmo que recebe a dupla promessa de multiplicação de sua descendência: como pó da terra עפר (afar) e como areia do mar חול (chol) .
• Chol (areia), a terra granulosa, também é a palavra para Fênix, o glorioso Pássaro de FOGO que começa a fechar o círculo que começou no Éden, pois ele recusou comer do fruto proibido.
• Ao fim de seu ciclo de vida, arde em chamas, em auto-combustão ou incinerado pelo sol. Transforma-se em cinzas (עפר afar / אפר éfer ). Cinzas de morte.
Mas também cinzas da vida, de onde renasce para a continuidade de sua vida eterna!
Vídeo relacionado a esse tema:
Muito lindo Paula! Me lembrei do versículo Gênesis 3:21 NBV-P
O SENHOR Deus fez roupas de (pele) de animais e vestiu Adão e sua mulher.
Depois que se acharam nus com o pecado e se cobriram de folhas ,somente folhas que saiu da terra. Isso me fez lembrar tbem da era de ouro de saturno ,onde tinha alta fertilidade na terra. Mas o final a gente sabe! Sem o cordeiro nada feito!
Alliny- mensagemviva.
Os judeus são como a fênix, em meio à tantas perseguições, sempre renasce. YHWH é fiel à Sua Palavra!
Muito bom!!! Não pare de nos trazer essas revelaçoes. To aqui mandando mais torcida pelo projeto e botando lenha na fogueira do Beleza da Palavra. Fã vinda do YouTube :*
Shalom Paula amada....
Estou relendo...muito conteúdo abençoado e quanto significativo a purificação, a renovação é libertação. Baruch HaShem ❤️
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