Man (maná), Pérolas do Céu
- abelezadapalavra
- 12 de mai. de 2023
- 10 min de leitura
Atualizado: 19 de dez. de 2024
והמן כזרע־גד הוא ועינו כעין הבדלח
E o man era como a semente de coentro e a sua cor era [branca] como a resina de goma. | Nm 11:7.
Bdolach בדלח, a resina
Essa resina de goma é chamada em hebraico por בדלח (bdolach) e conhecida em português por bdélio. Tal substância possui aroma de mirra e é produzida por uma árvore (Commiphora Africana) encontrada na África e Arábia. Logo após sua seiva ser removida, endurece e toma o aspecto de uma cera transparente, similar a uma pérola. E, pelo fato de ter um perfume parecido com a mirra, às vezes é usada até mesmo para falsificá-la.

foto meramente ilustrativa (resina em uma amendoeira) | Fonte: Wikipedia
Essa pequena descrição já fornece importantes informações. A mirra é uma das especiarias mais comentadas nas Escrituras: em óleos para ungir (Ex 30:25), para perfumar (Ct 5:5, Pv 7:17), para tratar e embelezar (Et 2:12), preservar os mortos (Jo 19:39-40), tendo sido também dada como presente a Yeshua quando nasceu (Mateus 2:11). A mirra era um dos ingredientes do óleo de unção do Mishkan (Tabernáculo), algo tão especial e sagrado que havia uma ordem expressa para que nunca se produzisse outro óleo com a mesma combinação de elementos, destinado a qualquer finalidade diferente daquelas ordenadas (Ex 30:31-33).
Além disso, quando Yeshua estava no madeiro, foi-lhe oferecida uma bebida feita de vinho romano barato misturado a um pouco de mirra (Mc 15:23). Essa mistura causava certo entorpecimento dos sentidos, anestesiando a dor. De acordo com o Talmud, quando alguém era conduzido à execução, era costume dar uma taça de vinho contendo uma parte de mirra, pois está escrito em Pv 3:16: “Dê bebida forte aos que vão morrer, e vinho aos amargurados de espírito." Porém, Yeshua recusou o vinho, aparentemente para que pudesse passar por seu sofrimento com uma mente sã e límpida.
O bdélio aparece por apenas duas vezes nas Escrituras, ambas na Torah. A primeira delas mostra que ele é um dos produtos de Havilah, uma das terras do Éden:
O nome do primeiro [rio] é Pishon; ele circunda toda a terra de Havilah, onde há ouro. O ouro dessa terra é bom; encontram-se ali também bdolach בדלח (bdélio) e pedras de ônix. | Gn 2:11-12
A segunda e última vez está em Nm 11:7, na descrição do maná (verso de abertura deste estudo). Apesar dessas raras ocasiões, veremos como a palavra בדלח bdolach abre perspectivas profundas para a compreensão do man!
Bdolach בדלח, a porção
O termo bdolach provavelmente deriva do verbo בָּדַל (badal), que significa dividir, separar. Assim, bdolach também traz o sentido de algo em partes, pedaços, porções.
Isso nos leva diretamente à forma como as pessoas deviam coletar o man: apenas uma porção por dia.
Eis o que Adonai ordena: cada homem deve juntá-lo de acordo com sua necessidade - deve-se pegar um ômer* por pessoa existente em sua tenda. | Ex 16:16
* 1 ômer: aproximadamente 1.200 gramas
O man não deveria ser guardado de um dia para outro pois surgiam vermes e o alimento se estragava. Havia apenas uma exceção: a porção do Shabat. Como ninguém deveria trabalhar (colher ou preparar o man) nesse dia, YHWH derramava uma dupla porção na véspera. Assim, todos coletavam e preparavam a alimentação em dobro no sexto dia, reservando a porção do Shabat. E esta não sofria qualquer dano (Ex 16:19-23).
Todas essas passagens nos mostram a importância da porção, de coletar apenas o suficiente para sua casa e aguardar a nova medida do dia seguinte. Mesmo que recolhessem em quantidade maior ou menor do que 1 ômer, não havia sobra para quem colhera a mais e não havia falta para o que pegara a menos. O man sempre supria as necessidade de todo indivíduo em sua medida exata.
Dessa forma, o significado de bdolach – a resina de goma – como “porção” adquire um sentido ainda maior quando aplicado ao man. Pois a coleta da porção diária de sobrevivência mostraria a medida da fé, da confiança em YHWH. E esse ponto é tão importante que encontramos o mesmo paralelo na oração que Yeshua nos ensinou: “o pão nosso de cada dia, nos dai hoje”.
Pérolas do céu
O man (maná) era redondo como semente de coentro, mas branco como uma pérola | Talmud Yoma 75a:12
As sementes de coentro são amarronzadas e a sua semelhança com o man está no formato.
A cor, porém, é como a resina de goma, branca. Isso torna cada grão de man como uma pequena pérola, fazendo-nos compreendê-lo como uma preciosidade, algo raro e de enorme valor.
No mundo natural, as pérolas são o produto da dor, resultado da entrada de uma substância estranha ou indesejável no interior da ostra, como um parasita ou mesmo um grão de areia. E, num dolorido processo que envolve tempo, a ostra acaba por neutralizar esses agentes invasores cobrindo-os por camadas e camadas de nácar, formando, assim, as pérolas.
Na natureza, pérolas são feridas curadas.
Como vimos anteriormente, o termo bdolach (bdélio) aparece apenas por duas vezes na Escritura, porém em contextos marcantes.
O nome do primeiro [rio] é Pishon; ele circunda toda a terra de Havilah, onde há ouro. O ouro dessa terra é bom; encontram-se ali também bdolach בדלח (bdélio) e pedras de ônix. | Gn 2:11-12
Em nenhuma outra das três terras do Éden há referência aos seus frutos. O valor desses elementos (ouro, bdélio e pedra de ônix) não está em sua raridade ou dificuldade de extração, mas por serem os únicos citados. Tal fato, reforça o caráter precioso dessa substância.
E, em contraponto a essas pequeninas pérolas que caíam do céu, a Escritura nos apresenta outras pérolas de tamanho gigantesco: as 12 portas da Nova Jerusalém!
Apesar de ser parecido com pérolas, algo raro e especial na natureza, o que torna o man precioso é sua origem celestial. Uma fonte de energia capaz de nutrir o corpo como nenhum outro elemento tirado da terra poderia. Além da nutrição física, o man seria também alimento para a alma, consolidando a confiança na provisão do Altíssimo.
Origem do termo מָן man
ויראו בני־ישראל ויאמרו איש אל־אחיו מן הוא כי לא ידעו מה־הוא
E viram os filhos de Israel e falou cada um a seu irmão: מָן הוּא (man hu) pois não sabiam מַה־הוּא (mah hu) o que era aquilo. | Ex 16:15
O texto hebraico que apresenta a identidade do chamado man faz um jogo de palavras interessante. Essa é a única vez que a expressão מָן הוּא (man hu) ocorre na Escritura, e existem diversas interpretações a respeito da sua origem.
Alguns sábios declaram que o termo seria egípcio, também significando “o quê”. Outros apontam que man refere-se a algo preparado; em muitos casos, uma comida. Além destas e ainda outras interpretações, é interessante notar que a preposição מִן (min) – escrita da mesma forma que מָן (man) – expressa a ideia de separação, de algo proveniente de certa fonte. Ou seja, parte dela. Também o verbo מָנָה (manah), originado da raiz מנן (mem-nun-nun), significa contar; outra ideia que indica separação, distinção de uma parte do todo, a fim de que possa ser contada.
Dessa maneira, encontramos em vários níveis a ideia de que o מָן man, o maná, realmente ser destinado a funcionar como uma porção!

Um manto branco de orvalho
וברדת הטל על־המחנה לילה ירד המן עליו
E ao cair o orvalho sobre o acampamento à noite, caía o man com ele. | Nm 11:9
De perto, o man parecia-se com pérolas. De longe, era como a geada, um campo branco. É interessante ainda observar a forma como ele era derramado: com o orvalho.
Em hebraico, a palavra orvalho é טל (tal) e provém do verbo טלל (talal). Este, também dá origem à palavra טלית (talit), que é um manto de oração judaico usado para cobrir o homem durante as orações, principalmente as matinais. O talit, atualmente, é a veste que recebe a צִיצִת (tsitsit) franja em seus quatro cantos (Nm 15:38). Essa peça é sempre branca, produzida em algodão ou linho.

Dessas duas palavras, surge à mente uma bela imagem:
o man, que descia com o orvalho, era como um imenso talit celestial cobrindo a paisagem, deixando-a branca.

[Nota: nos tempos do maná não existia o talit tal qual ele é atualmente. ATorah, com as leis respectivas à tsitsit (franja) estava ainda para ser entregue. No entanto, a alusão de imagens é válida, uma vez que טל (tal) orvalho e טלית (talit) provêm da mesma raiz, ambos referindo-se à cobrir].
Há ainda uma outra incrível ligação nesse paralelo: as vestes brancas significam pureza, retidão, justiça. É dito ainda no mesmo tratado Yoma 75b, 14:
O man era chamado branco porque ele embranquecia os pecados de Israel. As pessoas temiam que, se caso pecassem, o man não continuaria a cair. Consequentemente, eles se devotavam à introspecção e arrependimento.
Tal afirmação tem base em Is 1:18:
Vinde, pois, e arrazoemos, diz YHWH: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a lã.
Depois de ler tal verso, a imagem do man como um talit fica ainda mais clara e real!
O man tornava os pecados brancos como a neve (uma associação à geada e ao orvalho) e brancos como a lã (o talit).
Podemos ainda lembrar que a própria terra está diretamente conectada ao homem, uma vez que seu corpo foi criado dela. As ações do ser humano afetam diretamente a terra; inclusive, o pecado, o derramamento de sangue, a amaldiçoa (Gn 3:17). Assim, na imagem acima, podemos entender que um deserto inóspito e sem vida – como o deserto onde estavam os hebreus –, é tornado branco pela misericórdia divina, com a descida do pão dos céus!
Conforme vimos nos tópicos anteriores, em variados níveis de leitura, o man aponta para a porção, a quantidade diária. Aqui não é diferente. O orvalho também nos mostrará esse ponto, através da guematria!
No texto que cita o orvalho (Nm 11:9), a palavra é utilizada junto ao artigo definido (o), caracterizado pela letra ה (he). Assim, utilizaremos essa mesma forma.

O orvalho, aquele que é o “invólucro” do man, também é porção!
[Nota: a tradição aponta que o orvalho realmente funcionava como uma "embalagem", protegendo cada pérola de maná:
"Havia orvalho acima e abaixo, e o man ficava no meio. Parecia como se o man tivesse sido colocado em uma caixa de orvalho." | Talmud Yoma 75b:9
Man, a דְּבַר (davar) palavra que desceu dos céus
ויאמר יהוה אל־משה הנני ממטיר לכם לחם מן־השמים ויצא העם ולקטו דבר־יום ביומו למען אנסנו הילך בתורתי אם־לא
E disse YHWH a Mosheh (Moisés): “Eis que farei chover pão do céu para vocês. O povo deve sair e juntar uma porção diária, todos os dias. Assim eu os testarei: se eles guardarão minha Torah ou não.” | Ex 16:4
O termo usado para descrever a porção nesse texto é fascinante: דבר (davar). Seus significados primários são "palavra" e "coisa, matéria". Não é difícil descobrir a profundidade que liga ambos, uma vez que a palavra tem o poder de materializar uma ideia, torná-la em substância, algo real! Exatamente como YHWH criou todas as coisas, por meio de Sua Palavra.
No contexto do verso acima, a palavra דבר (davar) toma o sentido de uma medida, uma porção. Em um nível não literal, podemos até mesmo ler que o povo deveria tomar a “palavra diária”, todos os dias. O que não deixa de ser uma grande verdade, já que “não apenas de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que procede da boca de YHWH” (Dt 8:3, Mt 4:4). A davar-yom (porção/palavra diária) é alimento para o corpo mas também para a alma!
Porém, é ainda muito mais do que isso. O termo דבר (davar) é uma referência direta a Yeshua, aquele que é a Palavra de YHWH!
E a Palavra רבד (davar) se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. | Jo 1:14
Não apenas a Palavra, mas Yeshua mostra que ele próprio é o pão vivo que desceu dos céus:
Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. | Jo 6:51
Apesar do man ter sido um alimento celestial, que nutria o corpo de forma perfeita, ele não era completo. Faltava-lhe aquilo que apenas a Davar de YHWH pode conceder: nutrição para a alma, para a vida. E no texto em hebraico, encontramos essa maravilhosa alusão!
Em realidade, há outro ponto de apoio para essa constatação acerca do Mashiach: o man é retratado, de certa forma, como um homem! Vejamos o texto referido:
E viram os filhos de Israel e falou cada um a seu irmão: מָן הוּא (man hu) pois não sabiam מַה־הוּא (mah hu) o que era aquilo. | Ex 16:15
A expressão מָן הוּא (maN hu), falada pelo povo, corresponde ao hebraico מַה־הוּא (maH hu), cujo significado é: "o que é isso?" Note que ambas são quase idênticas (diferença de apenas uma letra/som no primeiro termo), porém a segunda palavra da expressão não muda: הוּא (hu). Apesar de parecer insignificante, essa pequena palavra de duas letras também é o pronome masculino "ele"!
No texto em questão, naturalmente, הוּא (hu) refere-se a uma coisa, uma substância; dessa forma, a tradução literal é "isso". Porém, em uma leitura mais aprofundada, o texto hebraico מַה־הוּא (mah hu) também pode ser lido como "O que é ele?" ou compreendido como "Quem é ele?" Uma pergunta que, apesar de ter sido respondida por Mosheh, só veio a ser completada em plenitude nas palavras do próprio "Pão Vivo" (Jo 6:35, 51).
Além de tudo isso, podemos ainda encontrar em מן הוא a procedência desse alimento, quem o envia!
Como tratado anteriormente, a palavra מָן (man), que veio a ser o nome do maná, possui uma homônima: מִן (min), Analisando os significados de cada palavra, chegamos a mais um contexto:
(min) מִן: originário de, procedente de
(hu) הוּא: pronome masculino "ele", utilizado para pessoa ou objeto (substantivo masculino)
A resposta à pergunta "man hu" (o que é isto?) está nela mesma:
Proveniente dEle! O maná, aquela substância desconhecida não tinha origem natural, ela era procedente de YHWH!
Assim, em uma expressão de apenas 5 letras (מן הוא man hu), e seu correspondente em hebraico (מה הוא mah hu) – encontramos não apenas perguntas, mas também as respostas!
Man, o maná. Um alimento sobrenatural, de origem divina, que caía dos céus como pequenas pérolas, junto com o orvalho da manhã, embranquecendo toda a paisagem ao redor das tendas no deserto. Devia ser coletado como a substância a que se assemelhava, o bdolach, em porções diárias, provando a cada indivíduo, sua confiança em YHWH. Um presente precioso que alimentou os israelitas por 40 anos. Porém, não de forma completa.
Era apenas um símbolo do verdadeiro Pão Vivo que desce dos céus, enviado graciosamente pelo Pai. Por meio de quem ele é – a Davar de YHWH – Palavra ou Porção, nos alimentamos também dia-a-dia, nutrindo verdadeiramente nossa alma. Pois não há riqueza maior que esse pão, o único que nos faz viver para sempre. Yeshua, o man precioso da vida eterna!
